Cultura popular: por que precisamos cortar a cabeça e o ‘rabo’ do peixe para assar?
Por Ercole Martelli
Minha família paterna é bastante pequena. Em Andirá somos apenas dois membros.
Meus tios moram longe; cada um em uma cidade diferente. Apesar da distância, e do baixo número de membros, quando todos se reúnem o que não falta é papo e histórias do tempo da carochinha. Num desses encontros lembro que contaram uma história que achei muito certeira no que diz respeito à tradição e à cultura popular.
O tom da narrativa foi como algo que aconteceu com um conhecido, porém acredito que é uma estorinha do saber popular. Dessas que contam para nos impressionar, para fazer criança dormir ou para nos passar alguma lição de moral.
Diziam que certa vez a matriarca de uma família foi ensinar sua filha a preparar um peixe assado. O modo de preparo deveria seguir o seguinte ritual: corte a cabeça, corte o rabo e coloque no forno.
A filha, cheia de questões, perguntou à sua mãe qual o motivo de cortar a cabeça e o rabo do peixe. A matriarca logo respondeu: aprendi com minha irmã mais velha, pergunte pra ela.
A moça foi até a tia e perguntou: Por que preciso cortar a cabeça e o rabo do peixe para assar? A tia respondeu: aprendi isso com a sua avó, pergunte pra ela.
A moça então correu até a casa da vó e perguntou: Vó, por que eu preciso cortar a cabeça e o rabo do peixe para assar?
A vó então respondeu: Não precisa. A moça, já bastante confusa, retrucou: Mas todo mundo da família aprendeu assim e disseram que foi você que ensinou.
A vó então, de maneira rápida e certeira, respondeu: Eu cortava a cabeça e o rabo porque no nosso forno não cabia o peixe inteiro.
É uma passagem que nos faz repensar as relações de ensino, aprendizagem e de entendimento da nossa cultura. A tradição tem fundamentos que as vezes não cabem mais. Devemos venera-la como tradição histórica e não necessariamente como norma.
É uma estória muito curiosa e muito ilustrativa sobre os arranjos culturais.
Fonte: CARTA do MAR