O fio do Bigode
“A virtude está sempre no meio”. Certamente, o estimado leitor já ouviu ou leu esta frase – na verdade uma distorção da ideia aristotélica da virtude – uma centena de vezes.
Isso se trata de um chavão predileto da esquerda relativista, usado quase que unanimemente para contrapor opiniões e conceitos ditos por pessoas com ideologias diferentes das suas. O problema é que, antes de optar pelo mundo “cinzento” da moral, precisamos conhecer o que é preto e o que é branco. Isso quer dizer que precisamos distinguir o que é certo do errado, e quando sabemos qual é a escolha certa e qual a errada, não encontraremos justificativa plausível para se escolher o meio termo. A queda de impérios e civilizações está intimamente ligada à proliferação de valores imorais e inferiores, no lugar que antes era dominado por valores superiores.
Quando os indivíduos de uma sociedade passam a não conseguirem distinguir o bem do mal, o certo do errado, o justo do injusto, vão entrando em decadência até o ponto em que a barbárie se instala. Não é por acaso que a ética seja entre todas as instituições normativas a que mais influencia na formação de um ambiente político, social e econômico.
Os bons economistas são quase unânimes em afirmar que instituições fortes, inequívocas e estáveis formam o arcabouço fundamental e necessário para a prosperidade econômica de uma sociedade. Na definição de Douglass North:
O desempenho econômico é função das instituições e de sua evolução. Juntamente com a tecnologia empregada, elas determinam os custos de transação e produção. As instituições constituem as regras do jogo numa sociedade; mais formalmente, representam os limites estabelecidos pelo homem para disciplinar as interações humanas (…). Um mercado eficiente é consequência de instituições que, em determinado momento, oferecem avaliação e execução contratuais de baixo custo.
As transações nada mais são que acordos entre as partes, que estão visando transferir, resguardar, conservar ou adquirir direitos sobre a propriedade de seu desejo. Independentemente do tipo de acordo feito, a expectativa é sempre que ambas as partes cumpram seus respectivos papeis no acordo, já que, caso contrario, o acordo não faria sentido. Em ambientes onde o imperativo ético não é regra, onde prevalecem à desconfiança mútua entre os agentes, as relações interpessoais e, principalmente, as interações de natureza econômica se tornam difíceis e onerosas, desaguando finalmente num meio ambiente inóspito aos negócios.
Houve um tempo que a palavra de uma pessoa valia muito mais que um rabisco em um pedaço de papel. Lembro-me de ouvir bastante a expressão que o “fio do bigode” vale mais que um contrato cheio de avais e fianças. No Brasil de hoje, infelizmente, qualquer negócio deve ser precedido de extensos contratos escritos, elaborados por especialistas em contenciosos judiciais e coadjuvados por múltiplas garantias. Ainda assim, não há certeza de nada.
Além de deixar muito extensas transações comerciais e aumentar o custo, quem nunca ficou com raiva de pagar altas taxas em cartórios apenas para reconhecer que o documento foi assinado por você mesmo? Ou então gastar uma fortuna para separar uma herança? Esse clima de desconfiança faz também que grandes oportunidades de negócios sejam perdidas.
Para piorar ainda mais a situação, nosso poder judiciário não prima, há muito tempo, por resguardar os direitos reais presentes na Constituição Federal, principalmente o direito de propriedade e liberdade. Vinculando-o a tal “função social”, cujo critério de aplicação deve ser definido pela autoridade de plantão, não raro baseado na situação econômica das partes.
O resultado da união da imprevisibilidade jurídica e da decadência ética de ministros é perverso e, pouco a pouco, vai minando a economia do Brasil. O que nos falta não são leis objetivas, que abundam no Brasil. A simples existência da lei, no entanto, não garante integridade às relações sociais, especialmente às econômicas. Sem valores éticos e princípios fortes para a regência da conduta individual, de nada vale as leis que estão em vigor no Brasil. De que adianta constar na lei que fraude e estelionato são crimes, se no íntimo de cada um não representam algo nocivo? Se para o senso comum são coisas que todo mundo faz?
Aristóteles dizia que “as virtudes não são plantadas em nós pela natureza, mas são produto do hábito”. O ser humano é influenciado por estímulos e incentivos num ambiente social. Assim, se neste meio existe a propensão ao vicio, se uma deformação moral é incentivada, se não criamos as condições necessárias para que o procedimento ético seja regra e não exceção, estamos fadados ao subdesenvolvimento.