Artigo & Opinião

A Coragem de Falar e o Dever de Escutar

Nesta nossa era de cancelamentos sumários e peles finas como uma folha de cristal, debater a liberdade de expressão tornou-se um passeio em campo minado. De um lado, o grito pelo direito irrestrito de dizer. Do outro, a trincheira dos que se sentem ofendidos, clamando por silêncio e punição. E no meio, uma imensa zona cinzenta de incerteza. Talvez, para encontrar um norte, precisemos parar de olhar para o feed das redes sociais e voltar os olhos para os antigos, para as raízes empoeiradas do nosso pensamento.

O debate não é novo. Na Atenas democrática, berço da filosofia, a liberdade de falar na ágora, a praça pública, era um pilar da cidadania. Os gregos tinham uma palavra para isso: parrhesia. Não se tratava apenas de falar o que se quer, mas de ter a coragem de falar a verdade, de forma franca e direta, mesmo que isso implicasse risco pessoal. O parrhesiastes era aquele que, por dever cívico e moral, colocava sua opinião a serviço da pólis, sem rodeios ou floreios para agradar o poder.

Aqui encontramos a primeira e mais vital lição dos antigos: a fala livre não era um privilégio para o deleite do ego, mas uma ferramenta para a construção da sociedade. Sócrates, o “moscardo de Atenas”, é o maior exemplo disso. Ele não foi condenado por proferir mentiras, mas por fazer as perguntas que incomodavam, por expor a ignorância dos que se julgavam sábios. Seu método era a própria encarnação da liberdade de expressão em sua forma mais pura: o diálogo que busca a verdade, ainda que o processo seja doloroso.

É aqui que a sua, a minha, a nossa responsabilidade entra em cena. A liberdade de Sócrates de questionar tudo e todos vinha acompanhada de uma consequência última: ele arcou com ela, bebendo a cicuta. Ele não se vitimizou nem renegou suas palavras. Aceitou o veredito, por mais injusto que fosse, como o preço de sua coerência.

Essa é a essência da verdadeira liberdade de expressão, um conceito que parece ter se perdido em nosso tempo. Defendo, portanto, o ponto de vista de que todos podemos e devemos falar o que bem entendemos. A palavra não pode ser previamente cerceada. A mordaça estatal ou social antes da fala é o caminho mais curto para a tirania do pensamento único. Contudo – e este é o ponto nevrálgico –, uma vez que a palavra é dita, ela deixa de ser apenas uma ideia etérea e passa a ser uma ação no mundo real, com efeitos e reações. E, como por toda ação, devemos estar preparados para arcar com suas consequências.

Se sua fala inspira, você colherá admiração. Se sua fala ofende, poderá colher o desprezo ou um processo. Se sua fala calunia, a Justiça deve ser o seu interlocutor. Não se trata de censura, mas de responsabilidade. É a maturidade de compreender que direitos e deveres caminham de mãos dadas, uma noção que os romanos, com seu pragmático senso de ordem cívica, também entendiam muito bem. A libertas romana florescia no debate público do Fórum, mas estava sempre balizada pela lei e pelo costume.

Nesse caldeirão de discursos, entra uma forma de expressão particularmente visada hoje: o humor. O comediante Leo Lins, figura controversa por excelência, cunhou uma frase que, despida de seu contexto polêmico, carrega uma verdade profunda: “o humor alivia a dor, seja ela qual for”. A piada, a sátira, a comédia, funcionam como uma lente de distanciamento. Ao rirmos de uma tragédia, de um defeito ou de uma situação absurda, estamos, por um instante, nos tornando maiores que ela. O riso é um ato de subversão contra o sofrimento, um lembrete de nossa capacidade de resiliência.

Proibir uma piada porque ela toca numa ferida é, muitas vezes, impedir que a ferida seja vista, tratada e, por fim, cicatrizada pela via do riso coletivo. É claro que há consequências. O humorista pode ser vaiado, pode perder o público, pode enfrentar o escrutínio. E que assim seja. Ele usou sua liberdade e a sociedade respondeu com a sua.

Em última análise, a defesa de uma liberdade de expressão robusta, nos moldes que os antigos nos inspiram, não é uma defesa do caos, mas da coragem. A coragem de falar, de ouvir o que nos desagrada, de responder com argumentos em vez de gritos e, acima de tudo, a coragem de assumir a responsabilidade pelas palavras que lançamos ao mundo. Uma sociedade que troca essa coragem pela segurança de uma bolha silenciosa e asséptica não está se protegendo; está apenas desistindo de pensar.

Lucas Barboza

Formado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual do Norte do Paraná, em Logística e História pela Universidade do Norte do Paraná, Especialista em Gestão de Projetos, Consultoria Empresarial e Ensino de Matemática.

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