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Defendendo o indefensável

Adriano Correia, em seu finado blog abordou uma questão interessante que pensei mais do que o habitual a partir de uma bola levantada em 5 dias: Em suma, tanto liberais como comunistas invocariam o argumento de que “o meu sistema” nunca existirá “se ele defender sua preferência e critica a realidade. E os dois lados têm razão, mas de maneiras diferentes.
Claro, o comunismo como Marx o imaginou nunca existiu realmente. Lembro-me de algo que disse Olavo de Carvalho em um de seus cursos: “Não devemos ter medo do comunismo porque ele nunca existirá, o problema é o que as pessoas fazem quando tentam instalá-lo.”

Nunca houve liberalismo puro. Por mais que voltemos aos Estados Unidos, a Revolução Americana manteve a escravidão, e seu fim também representou o fim do federalismo como idealizado pelos senhores de escravos que foram os pais fundadores. Mas há uma diferença importante, o liberalismo não se apresenta como uma utopia e permite gradações na realidade. Prova disso é que todo liberal que conheço respeita a ideia de um índice de liberdade econômica. Nunca vi um socialista ou comunista que falasse sobre um índice de países comunistas e usasse um critério tangível, como o nível de intervenção governamental, em outras palavras, quando um liberal diz que os lugares x e y são mais ou menos liberais, ele quer dizer isso literalmente. O mesmo não pode ser dito de um comunista.

Quem diria que este lugar é mais ou menos comunista? Existe um índice reconhecido de comunismo entre os marxistas? Alguém já pensou em fazer isso?

Um liberal pode falar de “comunismo” significando apenas “muita intervenção estatal, mas muita”. O liberal define a política nesses termos. Existe um direito natural à liberdade, no sentido de não ser obrigado, e à propriedade. O papel do Estado é garantir este direito, e não usurpá-lo em nome de uma “meta maior”, entre outras coisas porque no papel soa sempre muito bom e na prática é apenas retórica a serviço da exploração. E é claro que, ao usar o termo “comunista” neste sentido, o liberal nega a teoria marxista do processo histórico e da luta de classes. Para o liberal, tudo isso é uma fantasia inventada para justificar um elitismo sem precedentes e um governo cujo poder faria Napoleão corar.

É esta mesma filosofia da história que provavelmente leva o marxista, ou o socialista, ou o comunista, a não celebrar o resgate. As principais diferenças entre os socialistas dizem respeito ao modo como as etapas históricas se sucedem. Um liberal pode admitir que hoje se pudesse correr ou arriscar perder ou ganhar a liberdade, e que de manhã uma situação de liberdade será igualmente periclitada, continuando a depender da boa vontade de dois homens e mulheres, mas um marxista puro não poderia se entregar a o luxo de uma visão única, tão simples. Ele consideraria isso simplista na melhor das hipóteses.

Mas desta divergência entendemos que as palavras “liberalismo nunca existiu”, pronunciadas por um liberal, têm um significado muito diferente das palavras “socialismo nunca existiu” pronunciadas por um socialista. Primeiro, porque para o puro-sangue marxista, o socialismo é inevitável, enquanto para o liberalismo, o liberalismo depende acima de tudo de ser amado pelo povo (é por isso que existem organizações como FreeOrder.org: para tornar o liberalismo mais desejável). Em segundo lugar, uma vez que o liberalismo é um conjunto de princípios e valores e não um “sistema”.

Podemos avaliar qualquer política pública específica e dizer se ela é mais ou menos liberal. Com o resgate, os Estados Unidos se tornam mais intervencionistas, mas os direitos de propriedade são ainda mais claros e importantes lá do que em grande parte do mundo. É por isso que os Estados Unidos podem ser de várias maneiras, a prova do fracasso do intervencionismo e do sucesso do liberalismo.

Outro ponto importante é este: o liberal defende a existência de um governo liberal sem fingir que toda a sociedade é liberal. É claro que, no final das contas, uma sociedade precisa compartilhar certos valores, mas o liberal ainda não é tão ingênuo a ponto de pensar que um dia haverá uma sociedade sem conflitos. Sabendo que isso só pode ser administrado, mas nunca eliminado, o liberal defende o sistema que melhor pode resolver as diferenças. Não é preciso eliminar os reacionários, eles simplesmente não matam nem roubam, e já existem leis para esses crimes.

É claro que o liberalismo pode ser representado por um sistema; saber o que é esse sistema talvez seja a grande divergência. Se os socialistas discordam dos meios, os liberais discordam dos fins e de fins muito específicos. Devemos proteger os direitos autorais? Legalizar o aborto? (Eu diria “não” de qualquer maneira, mas ainda tenho que pensar mais sobre a primeira opção). Mas mesmo que todos os objetivos perseguidos pelos liberais não sejam alcançados, isso não os impede de qualificar as sociedades e admitir que o liberalismo exista em certo sentido. Se um socialista admitisse que um grau maior de intervencionismo significasse proximidade com o socialismo, ele formularia sua posição em termos liberais.

O que não seria ruim.

Lucas Barboza

Professor, colunista, economista, empreendedor, estudante de história, de direita, cristão, anticomunista e armamentista.

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